Quantas vezes nos damos conta de que estamos envelhecendo?
De vez ou outra nos deparamos com situações em que pensamos: “puxa, estou
ficando velho”, ou, “tal fato foi há tantos anos atrás, como passou rápido!”.
Nesses instantes temos a impressão de que o tempo deu saltos e uma outra época
encerrou-se sem termos notado. Ao mesmo tempo,
cotidianamente, vamos vivendo o lento passar dos minutos e horas. Talvez
somente quando algo significativo ocorre (algum evento marcante, uma data,
alguma mudança) ou quando há uma ruptura no fio que tece nossa cotidianidade (o
que Schutz chamava de “atitude natural”1) é que tomamos consciência de que o tempo passou
e já não somos mais os mesmos de que há algum tempo atrás.
Incluo esta reflexão inicial para falar de um filme que está
levando muitos prêmios dos principais festivais mundo afora. “Amor” (Amour), de Michael Heneke, trata de dois temas principais (dentre tantos subtemas que poderia-se
destacar): o relacionamento de uma casal de idosos (aparentemente o tema
principal) e a chegada da velhice, ou melhor, quando e como chega-se à velhice.
No caso do filme, esta percepção vem quando a personagem feminina sofre um AVC
(ou seja, uma ruptura e um evento significativo) e toda a rotina do casal muda
completamente. A partir desta mudança todo relacionamento é revistado e os anos
acumulados de convivência, marcada tanto pela harmonia como por conflitos, pela
aceitação do que o outro é e também pela negação e desagrado, tudo soma-se e
surge à tona. Trata-se do fio condutor da narrativa e que é magistralmente
interpretada pelo casal de atores de forma sublime, pontuada pelos silêncios e
ausências, tudo apresentado de maneira minimalista pelo diretor, inclusive a
trilha sonora quase inexistente (apenas uma ou outra cena em que surge alguma
música clássica).
Mas é do outro tema que quero falar. A chegada da velhice.
Quantas pessoas passam pelas nossas vidas de forma vagarosa e tranquila, e
quando nos damos conta elas já se foram, seja pela idade que avançou ou por
alguma fatalidade. Lembramos então de como elas eram ativas e intensas, e de
repente com o passar dos anos vão se calando, perdendo aquela vivacidade,
recolhendo-se aos seu canto e já não interagindo como antes. Pode ser uma
doença que chega aos poucos - ou um AVC como no filme que de repente “apaga” a
pessoa, criando assim uma angústia enorme tanto para a pessoa como para aqueles
que vivem ao seu lado. Realmente me parece algo muito triste. De repente aquela
pessoa que compartilhava tanto de sua vida contigo, que gerava admiração e
prazer, some. É o fim de um tempo, e talvez de uma vida.
Quando pensamos em velhice achamos de maneira positiva que
tudo irá acontecer bem, que seremos ainda pessoas ativas e determinadas, que
teremos muito para aproveitar e viver. Mas talvez não. Lógico que podemos contribuir
agora para uma vivência melhor da velhice, tendo bons hábitos, mantendo
rotinas saudáveis de vida. Mas por mais que nos preparemos para isso pode
acontecer de sofrermos alguma doença grave que nos desabilite a ter uma vida
independente e autônoma, e ai necessitaremos de alguém que nos apoie. E muitas
vezes não existirá esta pessoa, seja pelo acaso da vida ou por que não
cultivamos amizades e vínculos fortes com as pessoas a nossa volta, e então
chega-se ao fim da vida completamente só – como é a realidade de muitos
idosos que vemos pelos asilos e albergues por ai.
Refleti sobre isso esta semana ou constatar que eu irritava-me com meu cachorro por ele ficar o tempo todo querendo brincar, enquanto eu tenho que fazer minhas coisas. Mas logo pensei, que daqui há uns 10 anos ou menos ele não virá mais pedir-me para brincar, pois estará velho e cansado, não apresentará mais aquele vigor e animação como agora quando é novo e saudável.
Parece trágico e exagerado. Mas não é. Quando recebi a densa
carga de angústia que “Amor” transmite só pude pensar sobre isso. E como será
que vai para mim essa chegada da velhice? E para você, como será? Está
preparado (preparando-se?)
Ficha Técnica
Diretor: Michael Haneke
Elenco: Jean-Louis Trintignant, Emmanuelle Riva, Isabelle Huppert, Alexandre Tharaud, William Shimell, Ramón Agirre, Rita Blanco, Carole Franck, Dinara Drukarova, Laurent Capelluto, Jean-Michel Monroc, Suzanne Schmidt, Damien Jouillero, Walid AfkirProdução: Stefan Arndt, Margaret Ménégoz
Roteiro: Michael Haneke
Fotografia: Darius Khondji
Duração: 127 min.
Ano: 2012
País: França, Alemanha, Áustria
Gênero: Drama
Para quem gosta de: cinema francês; dramas existenciais.
Pontos Altos: interpretação dos atores; narrativa "seca" e direta; tema filosófico.
Pontos Baixos: n/a
Avaliação Drugstore Bukowski: 9,0
Notas
1 Ou seja, somente quando algo se choca ou rompe a nossa atitude natural que paramos para refletir e compreender melhor o que se passou. Caso contrário vamos tocando nossas vidas como sempre, sem se dar muita conta do que está acontecendo.
1 Ou seja, somente quando algo se choca ou rompe a nossa atitude natural que paramos para refletir e compreender melhor o que se passou. Caso contrário vamos tocando nossas vidas como sempre, sem se dar muita conta do que está acontecendo.
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