Quando
iniciaram os protestos de junho e julho, a partir do Movimento do Passe Livre, um fato chamou-me a atenção: o apartidarismo declarado dos manifestantes e o
repúdio àqueles pertencentes aos partidos de esquerda que tentaram participar
do movimento. Era um grupo de maioria classe média e alta, que se diziam
indignados com “tudo” o que estava acontecendo por “ai”. Quando questionados
sobre os seus propósitos e bandeira de luta, mal conseguiam definir o foco,
qualquer coisa era corrupção, roubalheira, de modo geral, uma ode contra os “políticos”
que reinam em Brasília. Muitos analistas apontaram que era apenas uma onda e que os
únicos que tinham uma causa clara logo caíram fora, no caso o Passe Livre e a “conquista”
dos R$ 0,20.
Naquele
momento eu já previ que este movimento tinha um outro propósito e serviria logo
a interesses mais específicos. A direita, que sempre buscou ocultar suas
posições políticas, sempre contou com uma massa de manipulação
justamente despolitizada. O pretenso discurso contra a política de modo geral
guarda um significado bem delineado: o conservadorismo. Aqueles que dizem
odiar a política e condenar qualquer ação desse tipo na verdade gostam de
deixar as coisas como estão. Para quem está a um degrau acima na escala social
é cômodo permanecer assim, mas incomodam-se muito quando os membros do degrau
de baixo ameaçam ocupar o mesmo lugar. É o paradoxo da classe média: vivem a
sombra dos membros da elite e tem um pavor de serem alcançados pelos “pobres”.
É o que vem acontecendo
há algum tempo no Brasil. Os avanços enormes conquistados com as políticas
sociais do ultimo governo incomoda em muito a “velha” classe média e alta. A percepção
de que uma grande parcela da população está tendo acesso a bens e serviços que
antes eram exclusivos da parcela média e alta, e ainda, por culpa do Governo, é
um absurdo para muitos. Ver tantos carros populares zero quilometro nas ruas,
dividir poltronas de avião com “essa gente”, e pior, até os cruzeiros marítimos
estão tomados pela nova classe “c”, provocou uma onda de indignação.
Benefícios
sociais como o Bolsa Família e Auxilio Reclusão são demonizados por aqueles que
acreditam “levar o país nas costas” a base de seus impostos e consumo. Esquecem
que toda a riqueza do país está nas forças de produção, na mão-de-obra que
levanta cedo todos os dias e rega os campos e lavouras, colocam as fábricas em
funcionamento e constroem prédios e mais prédios, injetando bilhões na economia.
Ignoram o fato que todo dinheiro concedido nos benefícios alimenta o mercado
interno e movimenta a economia. Possibilitam o acesso a bens que antes nem
seriam vendidos. Alguém acha que celulares venderiam tanto sem o Bolsa Família?
Quando chegaram
as eleições foi possível conhecer melhor o que era o “grito por mudanças” de
toda essa classe média "sofrida" e ameaçada de perder seu lugar. Uma onda
conservadora inundou as Assembleias Legislativas e o Congresso Federal. O
Governo do PT mexeu em um vespeiro. Avançou justamente no desenvolvimento
social e iniciou o debate sobre uma série de assuntos espinhosos e incômodos
para a classe média reacionária: legalização das drogas, aborto, direitos
sexuais das minorias e racismo. Quando começaram esses assuntos a surgirem nas
pautas logo uma reação conservadora monstruosa despertou das profundezas de
nossa pátria. E o que vimos como resultado das eleições foram uma maioria de
conservadores eleitos: pastores evangélicos, militares, defensores da família
brasileira. Temos agora uma novíssima bancada da “bala” e da “fé” (o que
parecia incompatível se une agora de maneira formidável!).
O grito de
mudança ficou mais claro. O que eles querem realmente é mudança, mas através do
retrocesso. Querem voltar há quarenta anos atrás quando a pequena classe média
vivia em paz. Todos os excluídos e renegados da sociedade eram tratados na
bala. Não “existia” criminalidade. Os valores cristãos e a tradição estavam
garantidos. As velhas oligarquias latifundiárias e os empresários enriqueciam
em paz com o apoio dos militares e aceitação passiva de uma população ignorante
e miserável. Os comunistas eram uma ameaça, pois comiam criancinhas e eram
perversos, devassos e delinquentes. Eram contra a “ordem”.
O povo que
quer mudanças tem saudades de uma época que não viveram, mas que ouviram de
seus pais e avós que não existiu uma ditadura militar e sim uma época de
crescimento e “progresso”. Não compreendem que os conflitos que vivemos hoje
são muito mais de classe e de ideologia do que uma pretensa crise econômica
devida a politica econômica adotada pelo governo atual.
Quando se
questiona a um dos reprodutores do discurso “odeio o PT/fora Dilma” quais o
reais motivos de tanto ódio, dificilmente você ouve uma resposta lógica e
fundamentada politicamente. São respostas vazias e que reverberam um discurso
reacionário da mídia marrom: “sou contra tudo que está ai”, “contra a
roubalheira do governo”. Colocam toda a responsabilidade por defasagens
históricas e problemas culturais que nos assolam a séculos na figura de uma
única mulher: a Presidenta do País. Todos ignoram que o Estado e o Governo são
estruturas extremamente complexas. O governo Executivo depende do Legislativo
para governar e aprovar os projetos necessários para o país evoluir. Desejam “mudanças”
e votam em deputados estaduais e federais mais conservadores possíveis. Entre
os mais votados, Marco Feliciano e Jair Bolsonaro. Tiririca. Candidatos
realmente comprometidos com mudanças profundas na sociedade: transformar o país
em uma nação fundamentalista cristã (com exceção do Tiririca que ainda não
descobriu o que um deputado faz, mas vai na onda...).
E no topo desse
conservadorismo está a figura do candidato da “oposição” que conseguiu ir ao
segundo turno. No primeiro turno quase sumiu com a rápida assunção nas
pesquisas de Marina Silva, a candidata mais incoerente e perdida em suas
posições políticas e projeto de governo. Logo se viu que sua inconsistência não
daria nem para convencer os despolitizados (ou o chamado “voto volúvel”). Ai
surge a figura de Aécio, o playboy salvador da pátria, o novo Collor, o cara
que está contra tudo o que está ai. Um potencial de mudança. Mas que mudança?
Mudança para trás, ora bolas! Todos os conservadores estão com eles. Estão
todos lá, os velhos personagens do passado: latifundiários, megaempresários,
banqueiros, militares, pastores e fundamentalistas. Os novos também: toda a
massa despolitizada e contra-tudo/contra todos. Basta de corrupção!
O PSDB é o
próprio modelo da ética e honestidade. Foi contra o mensalão (e também o criou !). Aécio representa a família brasileira em sua essência. Essa fama de
pegador de modelos e aspirador é intriga da oposição! Ele sempre esteve
do lado do povo (faz campanha para as socialites e seus poodles em São Paulo).
Ele é o cara que vai resolver todos os problemas do Brasil e fazer com que
voltemos a ser aquela nação honesta e simples de anos atrás, antes desse
governo progressista do PT. Vai acabar com a corrupção e esses Bolsa-Esmolas.
Vai, enfim, apoiar a classe média e os livrar dos pobres.