27 de outubro de 2013

Lou Reed (1942-2013)

"Just a perfect day

you made me forget myself

I thought I was someone else

someone good"


("Perfect Day" - Lou Reed)


Sim, eu já quis ser um deus do rock. Eu já sonhei ser Jonh Lennon, Jimi Hendrix, Jim Morrison e tantos outros. Isso era no início de minha jornada por este mundo fantástico do Rock. E estes eram deuses, e são ainda. Porém nesta viagem, andando por tantas estradas e vias, deparei-me com tantos outros personagens que não eram deuses, nem ao menos talvez grandes estrelas. Eram homens comuns, músicos tocando seu velho e bom rock n' roll e aplicando sua filosofia de vida ao cotidiano.

Foi em uma quebrada dessas que Lou Reed cruzou meu caminho. Eu não sei quando foi isso. Mas o seu impacto foi grande demais. Sua persona e a história no Velvet Underground bastaram para eu criar uma imensa admiração. "Hey babe, take a walk on the wild side". Esta frase, esta simples frase, em uma época que tocar o foda-se era legal ainda, caiu como uma bomba em meus ouvidos. E aquele jeito de cantar, meio que sem querer cantar, sussurrando algumas palavras, sempre poesia. O que era aquilo?

E neste domingo, após saber do nada que este gênio estava morto, veio de repente uma dor estranha, como se tivesse perdido alguém que convivi tão pouco, mas que esperava viver muito ao seu lado. Era você Lou. "Caroline says". Lembrei de muitas noites embriagado, fumando meu cigarro, e ouvindo "Berlin", e principalmente, "Transformer".

E nunca poderei esquecer o impacto de ter assistido "Trainspotting", e a cena em que o personagem principal entra em overdose de heroína, e logo os primeiros acordes de "Perfect Day". O personagem afunda em sua maca, entra em delírio, viaja em todos os sentidos. E sua música, mais profunda e perdida impossível. E minha imaginação desolada com todo aquele horror. Não seria possível criar uma música mais aterrorizante e tranquila ao mesmo tempo para representar uma overdose de heroína. Era você meu herói, relatando algo tão próximo de sua verdade, de sua dor. Transmitindo, traduzindo, para todos, o que era essa porra toda. 

Foi com você e tantos outros junkies, filósofos e imorais que ensinaram-me a ver o outro lado e caminhar por ele, que pude conhecer a verdade sub-oculta, aquilo que os homens só tentam esconder. Como Freud e Nietszche, seu lado selvagem quis lembrar que somos apenas homens, primatas e insatisfeitos, querendo viver e gozar. A cidade é nossa extensão, caminho e meio para a vida. Temos que apenas continuar a explorar, tudo aquilo que há para ser vivido. Há a vida, e principalmente a dor, tudo ao mesmo lugar. 

Perdi um referencial, que muitos não conhecem atualmente e nunca ouviram falar. Mas era o velho Lou, companheiro de muitas noites de solidão e perdição. O cara que leu "On the Road" e fugiu de casa. E seria minha trilha sonora para todas as vezes que quis fugir de casa e não fui. Talvez por que ele já tinha ido. É Lou, você era um dos poucos que apenas faziam eu esquecer de mim mesmo... Vai nessa cara, take a walk on the wild side...

11 de outubro de 2013

[Artigo] A cultura do vinil e o prazer auditivo


Há pouco tempo atrás resolvi investir em um tocador de discos de vinil. Alguns perguntaram-me qual seria a vantagem em voltar a ouvir música neste formato que supostamente seria ultrapassado? Há diversas razões e que vão muito mais além de uma nostalgia ou tentativa de volta ao passado. 

A primeira vantagem, e que muitos alegam, é poder ouvir discos que você tinha guardado em algum armário e que estavam somente "juntando pó". Muitos deles até raros ou difíceis de se encontrar em formato digital. Com certeza essa é uma boa razão. 

Sobre a qualidade sonora, para quem não está familiarizado com o universo audiófilo, há vantagens e desvantagens. O som digital é mais limpo e com poucas imperfeições. Porém no vinil o som parece se expandir, preencher o ambiente. Tem mais profundidade, os graves se sobressaem melhor. É uma experiência sensorial diferenciada.

Mais do que ressaltar as qualidades técnicas, a experiência de ouvir vinil envolve um aspecto emocional que é fascinante. Ouvir discos de outras épocas com os estalidos característicos, o chiado no fim das faixas, é algo fantástico. Você sente-se como estivesse revivendo aquela época. Há nessa experiência subjetiva muito de uma memória afetiva. 

Mas o aspecto principal dessa experiência que eu gostaria de ressaltar é o conjunto do vinil como um todo, o que eu posso chamar de "cultura do vinil". É algo que perdemos nos tempos modernos com a massificação da música provocada pelo formato digital. Hoje temos a disposição infinitas músicas a disposição, basta "baixar" na internet. Isso tem um lado muito positivo que é a possibilidade de conhecer bandas e estilos musicais diversos que anteriormente seria impossível e dispendioso. Só que por outro lado tornamos a experiência de se ouvir música como algo banal e corriqueiro. Ligo meu player no computador no aleatório e disponho de mais de 8 mil músicas. Passo de uma faixa a outra sem me dar conta do que estou ouvindo. Não me interesso mais em saber a história por detrás daquele álbum ou conhecer o artista mais profundamente. Para falar a verdade, eu devo ter pelo menos umas duas mil músicas que baixei e nunca consegui ouvir. Neste caso você não "tem" fisicamente a música. Tudo é virtual.

Com o vinil você vai atrás dos discos. Garimpa-os em sebos e sites especializados. Cada aquisição é comemorada, você obtém o disco fisicamente. Pega-se o álbum, vê-se o encarte e deve seguir um ritual antes da audição. No meu caso, abre-se uma boa cerveja (de preferência uma que eu produzi com meus companheiros cervejeiros -  e cerveja artesanal é outra experiência que vale a pena relatar em outro post), tira-se o disco da capa, o plástico que envolve, se coloca na vitrola, seleciona-se a faixa e a partir dai é viajar nas ondas sonoras...

O fato de você fazer um esforço enorme para achar aquele disco que você tanto curte faz com que você valorize realmente a música que se está "consumindo". É um retorno a uma etapa que se perdeu com o avanço do capitalismo e do consumo de massa. Nos tempos atuais tudo tende a banalizar, a perder as características complexas e profundas. E a "cultura mp3" está fazendo isso com nós. Consumimos música da mesma forma como consumimos junk food: um alimento barato, com uma aparência muito boa, mas pobre em nutrientes. 

Ouvir vinil é como cozinhar em casa. Selecionar os ingredientes, "botar a mão na massa" e ter uma experiência única e subjetiva. É esta experiência que estou atrás novamente, de ter uma relação mais profunda de duradoura com minhas músicas e artistas preferidos. E há ainda a questão da troca, de fazer amizades com quem cultua o mesmo hábito e trocar discos. Trata-se de um hobby que é extremamente prazeroso e gratificante. Uma volta ao passado que é necessária, a fim de manter a experiência auditiva como algo que faz realmente parte de nossas vidas, e não como mais um ato corriqueiro cotidiano qualquer. 

6 de fevereiro de 2013

Drugstore Bukowski Recomenda: [Cinema] "Amor" (2012)


 Quantas vezes nos damos conta de que estamos envelhecendo? De vez ou outra nos deparamos com situações em que pensamos: “puxa, estou ficando velho”, ou, “tal fato foi há tantos anos atrás, como passou rápido!”. Nesses instantes temos a impressão de que o tempo deu saltos e uma outra época encerrou-se sem termos notado. Ao mesmo tempo,  cotidianamente, vamos vivendo o lento passar dos minutos e horas. Talvez somente quando algo significativo ocorre (algum evento marcante, uma data, alguma mudança) ou quando há uma ruptura no fio que tece nossa cotidianidade (o que Schutz chamava de “atitude natural”1) é que tomamos consciência de que o tempo passou e já não somos mais os mesmos de que há algum tempo atrás.

Incluo esta reflexão inicial para falar de um filme que está levando muitos prêmios dos principais festivais mundo afora. “Amor” (Amour), de Michael Heneke, trata de dois temas principais (dentre tantos subtemas que poderia-se destacar): o relacionamento de uma casal de idosos (aparentemente o tema principal) e a chegada da velhice, ou melhor, quando e como chega-se à velhice. No caso do filme, esta percepção vem quando a personagem feminina sofre um AVC (ou seja, uma ruptura e um evento significativo) e toda a rotina do casal muda completamente. A partir desta mudança todo relacionamento é revistado e os anos acumulados de convivência, marcada tanto pela harmonia como por conflitos, pela aceitação do que o outro é e também pela negação e desagrado, tudo soma-se e surge à tona. Trata-se do fio condutor da narrativa e que é magistralmente interpretada pelo casal de atores de forma sublime, pontuada pelos silêncios e ausências, tudo apresentado de maneira minimalista pelo diretor, inclusive a trilha sonora quase inexistente (apenas uma ou outra cena em que surge alguma música clássica).

Mas é do outro tema que quero falar. A chegada da velhice. Quantas pessoas passam pelas nossas vidas de forma vagarosa e tranquila, e quando nos damos conta elas já se foram, seja pela idade que avançou ou por alguma fatalidade. Lembramos então de como elas eram ativas e intensas, e de repente com o passar dos anos vão se calando, perdendo aquela vivacidade, recolhendo-se aos seu canto e já não interagindo como antes. Pode ser uma doença que chega aos poucos - ou um AVC como no filme que de repente “apaga” a pessoa, criando assim uma angústia enorme tanto para a pessoa como para aqueles que vivem ao seu lado. Realmente me parece algo muito triste. De repente aquela pessoa que compartilhava tanto de sua vida contigo, que gerava admiração e prazer, some. É o fim de um tempo, e talvez de uma vida.

Quando pensamos em velhice achamos de maneira positiva que tudo irá acontecer bem, que seremos ainda pessoas ativas e determinadas, que teremos muito para aproveitar e viver. Mas talvez não. Lógico que podemos contribuir agora para uma vivência melhor da velhice, tendo bons hábitos, mantendo rotinas saudáveis de vida. Mas por mais que nos preparemos para isso pode acontecer de sofrermos alguma doença grave que nos desabilite a ter uma vida independente e autônoma, e ai necessitaremos de alguém que nos apoie. E muitas vezes não existirá esta pessoa, seja pelo acaso da vida ou por que não cultivamos amizades e vínculos fortes com as pessoas a nossa volta, e então chega-se ao fim da vida completamente só – como é a realidade de muitos idosos que vemos pelos asilos e albergues por ai.

Refleti sobre isso esta semana ou constatar que eu irritava-me com meu cachorro por ele ficar o tempo todo querendo brincar, enquanto eu tenho que fazer minhas coisas. Mas logo pensei, que daqui há uns 10 anos ou menos ele não virá mais pedir-me para brincar, pois estará velho e cansado, não apresentará mais aquele vigor e animação como agora quando é novo e saudável. 

Parece trágico e exagerado. Mas não é. Quando recebi a densa carga de angústia que “Amor” transmite só pude pensar sobre isso. E como será que vai para mim essa chegada da velhice? E para você, como será? Está preparado (preparando-se?)

Ficha Técnica

Diretor: Michael Haneke
Elenco: Jean-Louis Trintignant, Emmanuelle Riva, Isabelle Huppert, Alexandre Tharaud, William Shimell, Ramón Agirre, Rita Blanco, Carole Franck, Dinara Drukarova, Laurent Capelluto, Jean-Michel Monroc, Suzanne Schmidt, Damien Jouillero, Walid Afkir
Produção: Stefan Arndt, Margaret Ménégoz
Roteiro: Michael Haneke
Fotografia: Darius Khondji
Duração: 127 min.
Ano: 2012
País: França, Alemanha, Áustria
Gênero: Drama

Para quem gosta de: cinema francês; dramas existenciais.
Pontos Altos: interpretação dos atores; narrativa "seca" e direta; tema filosófico.
Pontos Baixos: n/a
Avaliação Drugstore Bukowski: 9,0

Notas
1 Ou seja, somente quando algo se choca ou rompe a nossa atitude natural que paramos para refletir e compreender melhor o que se passou. Caso contrário vamos tocando nossas vidas como sempre, sem se dar muita conta do que está acontecendo.