12 de junho de 2008

Drugstore Bukowski Recomenda [Cinema]: "Runnig with Scissors" (2006)

"Se alguma vez você pensou por que nasceu em uma família como a sua, o melhor é relaxar e agradecer que Burroughs não seja seu sobrenome".

Assim é a chamada para o filme que está na programação da HBO neste mês e que eu assisti esses dias. Trata-se de uma história real do jovem Augusten Burroughs, contada em um livro auto-biográfico com o mesmo título do filme.

A história se passa nos anos 70, Augusten (interpretado pelo novato Joseph Cross, que fez algumas aparições em "Smallville" e "Third Watch") é um adolescente homossexual cujo pai é um professor alcóolatra (Alec Baldwin, em uma interpretação consistente) e a mãe uma escritora frustrada que caminha para a loucura (interpretada magisltralmente pela ótima Anette Bening, de "Beleza Americana"). Após se separarem, sua mãe o entrega ao seu psiquiatra, Dr. Finch, um pirado que ao invés de curá-la, parece ter induzido-a ao surto.

Augusten é obrigado então a viver com a excêntrica família do Dr. Finch, pois sua mãe está cada vez mais distante do mundo, e não o quer por perto, assim como seu pai esquece totalmente dele. A família Finch é uma história a parte. Augusten logo se identifica com Natalie, a filha rebelde interpretada pela maravilhosa Evan Rachel Wood (de "Aos Treze"). Moram ainda na casa a catatônica esposa Agnes e a beata Hope (na insonsa interpretação de Gwyneth Paltrow - aquela mesma que "roubou" o Oscar de Fernanda Montegro). Completam o time o esquisitão esquizofrênico Neil Bookman, interpretado muito bem por Joseph Fiennes.

Trata-se de um dramalhão com pitadas de humor negro, razão talvez pelo fracasso nas bilheterias americanas (fato que impediu o lançamento no Brasil no cinema, indo direto para Dvd). Eu não sabia nada do filme, e portanto assisti da melhor forma possível, sem pré-conceitos, e me surpreendi ao ver as críticas negativas em sites de cinema. Embora todas de fãs de cinema e não de críticos realmente - não que eu vá muito com a lata desses críticos. A questão é que é um filme bom, cujo enredo se sustenta no bizarro e no surreal, o que talvez dificultou a apreciação por alguns.

A direção é do estreante Ryan Murphy, que dirigiu alguns capítulos de Nip/Tuck. Quem já assistiu a série pode ter uma idéia de como o diretor lida com a realidade, marcada pelo exagero. Este excesso do filme é justamente o que leva à reflexões, pelo menos para mim. Quem é fã de Tarantino e Almodovar (como eu), dentre outros, diretores que pintam seus filmes com cores fortes, sabe do que estou falando.

Neste filme é a família que surge como tema central. Que influências pode ter a criação e a nossa convivência com nossos pais? Até onde nossas trajetórias não são guiadas pela bagagem que adquirimos no decorrer da infância? São essas questões que aparecem no filme de forma brilhante, através do surreal das relações dos personagens, principalmente entre Augusten e Natalie, os personagens que não se conformam com o meio que vivem (juntamente com o doidão Neil).

Podem parecer bizarras mesmo algumas cenas do filme (como a que Dr. Finch acorda a família para verem seu "cocô", que segundo ele era uma mensagem divina), porém se olhar pelo viés da psicose, muitas cenas tornam-se verossímeis. Quem já teve contato com um psicótico tem noção da tragédia que é a vida dessas pessoas condenadas a não participarem do mesmo mundo simbólico da maioria. Neste contexto, muitas cenas que a primeira vista é para serem engraçadas, são muito tristes. As cenas de humor servem no filme para dar uma "quebrada" no gelo, pois a vida de Augusten não é nada fácil.

Augusten e Natalie parecem questionar: quem poderemos ser vivendo no meio desta loucura toda? Natalie queria fazer faculdade, mas seu pai gastou o dinheiro para pagar dívidas. Sua mãe vive para servir as loucuras do Dr. Finch. Hope também convive com o status quo psicótico, abrindo mão de sua vida e sendo mais uma sombra de Dr. Finch. Neil traz a tona o paradoxo do Pai para a psicose: o ama, assim como quer matá-lo (fato que Dr. Finch parece ter aprendido muito bem com a psicanálise escrota que ele pratica, ao afastar Neil de sua casa, temendo por sua vida).

Neste desfiladeiro de personages vivendo no limite entre a razão e a loucura que o filme se constrói, trazendo a tona os segredos e esconderijos morais que uma família pode guardar. Quem sou eu além do que minha família permitiu que eu fosse? A questão do abandono, tão presente no Brasil, surge ai como um paradigma: Augusten e Natalie buscam a todo custo serem alguém diferente de suas famílias, e isto é possível?
















Ficha Técnica

Título: "Correndo com Tesouras" ("Running with Scissors", Eua, 2006)
Gênero: Drama
Duração: 116 min.
Direção: Ryan Murphy
Elenco: Annette Bening (Deirdre Burroughs),Brian Cox (Dr. Finch), Joseph Fiennes (Neil Bookman),Evan Rachel Wood (Natalie Finch), Alec Baldwin (Norman Burroughs), Joseph Cross (Augusten Burroughs), Jill Clayburgh (Agnes Finch), Gwyneth Paltrow (Hope Finch).
Roteiro: Ryan Murphy, baseado em livro de Augusten Burroughs
Produção: Dede Gardner, Brad Grey, Matt Kennedy, Ryan Murphy e Brad Pitt
Para quem gostou de: "Os Excêntricos Tenenbaums", "Peixe Grande e suas Histórias Maravilhosas".
Destaques: Anette Bening, Evan Rachel Wood, Brian Cox e Alec Baldwin
Pontos Altos: trilha sonora, atuação dos atores, roteiro, bizarrices, carga emocional.
Pontos Baixos: Gwyneth Paltrow, uma atriz sempre sem sal; a fotografia poderia ser melhor trabalhada.
Avaliação: 8,5

Trailer



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